•  Siga seu líder : A onda (Die Welle) 100minutos : Alemanha 2009 : direção Dennis Gansel

      mente & cérebro





Filme:
Siga seu líder!
Grupos tendem a funcionar de modo primitivo e inconsciente; muitas pessoas chegam a abdicar da própria capacidade de questionar

Uma classe de ensino médio com mais de 20 alunos e um adorado professor com capacidade de liderança podem formar um grupo potencialmente perigoso. Elementos emocionais como solidão, insatisfação com a própria vida, falta de lastro afetivo nos laços familiares, segregação ou não pertinência a um grupo, sensação de desproteção, insegurança, tédio, ausência de motivação existencial, dificuldade de diálogo entre gerações... Enfim, uma atmosfera seminal para um experimento arriscado. É isso o que mostra "A onda", com roteiro e direção de Dennis Gansel.

O professor Herr Wenger propõe aos alunos a criação de uma organi zação segundo o lema "a força pela disciplina". A constituição do grupo se baseia em exercícios físicos que dão a sensação de unidade (como nos exércitos); os participantes usam uniformes (adotados por instituições ou corporações), criam um logotipo e, por último, uma saudação que identifique os integrantes de "AOnda". Coesos, os membros sentem-se poderosos e passam a ditar normas, aterrorizando a comunidade local. O experimento sai do controle do professor, também identificado com o seu papel, até que em dado momento ele se convence de que deve interrompê-lo. Mas é tarde.

A organização grupal pode se dar de pelo menos dois modos: preservando a liberdade e a capacidade de pensar individualmente ou tornando os membros obedientes, conduzidos sem crítica a atitudes totalitárias, preconceituosas e discriminatórias. A história tem exemplos disso. Grandes grupos tendem a funcionar de modo primitivo e inconsciente; na presença de um adorado líder ou seduzidos por uma causa, os membros podem segui-lo cegamente, abdicando de sua capacidade de pensar.

Freud tratou do tema em "Psicologia das massas e análise do ego", de 1921, apresentando exemplo de instituições como Exército e Igreja, nos quais as pessoas podem ser disciplinadas para delegar todo o poder e devoção ao líder. Sentem-se amadas pelo líder e o amam a ponto de praticar atos que seriam individualmente impensáveis. Contudo, o grupo dissemina hori- zontalmente a sensação de poder e de autoproteção, que pode fomentar euforia capaz de fazer seus integrantes sentirem-se acima do bem e do mal. Aí reside o perigo de que forças destruti- vas, violentas e sádicas emerjam. Tudo se justifica pelo amor e obediência ao líder ou à causa.

Em "Experiência com grupos", de 1961, o psicanalista da escola inglesa, Wilfred Bion relata quatro tipos de supostos básicos de funcionamento grupal: ataque e fuga, messiânico, acasalamento e trabalho. De modo sucinto podemos dizer que, para o autor, os três primeiros grupos funcionam predominantemente de modo inconsciente e o último, de maneira mais consciente, voltado a realizar a tarefa, ou seja, próximo da ideia dos chamados grupos operativos. Bion nos auxilia na análise quando percebermos como "A Onda" passa a atacar colegas de outra classe, que estuda anarquismo, como se fosse um grupo inimigo. Reconhecê-los como diferentes permite que os membros de "A Onda" se vejam como iguais e solidários entre si. Anseiam por um líder visionário que se apresente para salvá-los do tédio existencial, da vida desinteressante e sem motivação, da falta de projetos e da solidão que os aproxima da depressão contemporânea. Em "A Onda", os adolescentes são conectados, têm acesso a informação e, ao mesmo tempo, são desesperadamente soltos, solitários e prontos para serem capturados por quem lhes dedique especial atenção e lhes desperte a sensação de serem importantes e melhores que os outros. A necessidade de pertencer a algum grupo torna-se vital, daí sua força poderosa.

Mrina massi é psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e autora do livro "Vida de mulheres: cotidiano e imaginário", Imago, 1992.