• Notas sobre o cidação Kane
Melanie Klein
O filme começa com a morte do Cidadão Kane.
Sua história de vida vista sob dois aspectos o oficial, que aparece no
jornal, descreve os acontecimentos importantes em sua vida. Deste ponto
de vista foi um homem muito bem sucedido, apesar de que suas ambições
políticas nunca tenham sido completamente satisfeitas. Extremamente
rico, um dos homens mais ricos do mundo especialmente poderoso por
suas ligações com a imprensa grande envolvimento com jornais, etc.
A história de dois casamentos revela fracassos. Entretanto traça o
retrato de uma vida importante, rica e bem sucedida. A segunda versão da
história de vida elaborada de forma muito inteligente através do desejo
do editor de descobrir o significado da palavra rosebud, (botão de
rosa) que Kane pronunciou ao morrer. O editor quer descobrir que tipo
de pessoa ele era. Várias informações coletadas a partir de um diário
guardado pelo curador de Kane, de sua segunda mulher e de seus amigos.
Aprendemos algo a respeito da vida real de Kane. Ninguém sabe nada sobre
rosebud, somente o mordomo, que estava com ele quando morreu. Ele dá
informações .
Interessante e curioso este repórter achar que toda a pesquisa não valia
a pena pois não significa nada. Entretanto, esta não parece ser a
opinião do autor (cineasta), pois de vários modos parece conhecer
bastante os processos inconscientes subjacentes que influenciaram o
desenvolvimento e a vida de Kane. É obvio para nós que a última palavra
de Kane, ao morrer, refere-se ao seio. É a última coisa que ele leva
consigo como preciosidade e que como o filme mostra, deixa cair ao
morrer enquanto pronuncia a palavra rosebud.
Kane não é um homem doente no sentido clínico; não há colapso mental.
Até o fim da vida mantém sua capacidade de trabalho e apesar de acabar
como um homem solitário, não se poderia chamá-lo, realmente, de doente. É
verdade que ambos os casamentos são fracassos e que nunca atinge os
altos objetivos políticos que estabelece para si. Este, entretanto, é o
ponto que eu quero discutir: sentimentos depressivos encobertos e
mantidos à margem por mecanismos maníacos, no que se poderia chamar uma
pessoa normal. Como eles influenciam o curso de sua vida. Em sua
juventude Kane tem fortes sentimentos e propósitos sociais; os não
privilegiados e os pobres devem ser ajudados; ele irá devotar seus
poderes , seu dinheiro, suas capacidades para este propósito.
Ao casar-se, parece preparar-se para uma vida de casado feliz sua mulher
é atraente, ama-o, eles tem uma criança encantadora. Por razões
desconhecidas para Kane e incompreensíveis, para sua mulher, ele vai
afastar-se mais e mais. Acontece então seu caso extra conjugal. Neste
momento parece mais uma vez que sentimentos de amor irão predominar, mas
como se queixa mais tarde sua segunda mulher, na realidade, Kane estava
somente interessado na voz dela (o que não é inteiramente verdadeiro),
mas parece tornar-se o fator predominante.
Kane controla Susan e através dela vai controlar multidões. De acordo
com ele, vai fazê-las pensar do jeito que ele quer. Isto sugere que o
fato de Susan ser pobre e precisar de proteção mobilize nele sentimentos
de tipo amoroso, possivelmente, também que o fato da mãe de Susan não
permitir que ela se torne cantora, tenha uma profunda ressonância nele ,
pois sua própria mãe de modo tão voluntarioso definiu a vida dele
longe dela e do pai, com o propósito que ele se tornasse rico e
poderoso. Mais, por mais que lute por amar Susan â€" e está ligado a ela
por laços muito fortes â€" ele não tem a capacidade de amar. Força
Susan a continuar a carreira que, devido a sua falta de talento,
torna-se um pesadelo para ela. Tentativa de suicídio de Susan. Kane cede
e passa a devotar-se aos planos grandiosos de construir o maior e mais
luxuoso castelo que qualquer cidadão jamais teve; o maior zoológico
particular desde os tempos de Noé - cem mil árvores, vinte mil toneladas
de mármore foram usados. Sua coleção de estátuas que se torna mais e
mais maníaca, à medida que o tempo passa. Neste castelo mantém a pobre
Susan que apesar de ter desejado um castelo está infeliz e solitária,
embora seja uma excelente anfitriã. Ela não se dá conta que, embora
pareça pensar que sim, na verdade não está buscando entretenimento,
prazeres de NY, e assim por diante, mas faminta de amor. Ela
subitamente reconhece isso através de uma expressão usada por ele que
mostra a ela que não há nada nele a não ser egoísmo; que ele não tem
nenhum amor para dar e que ele faz com que as pessoas se liguem a ele
só para que elas o amem. As conexões de amor pelos objetos internos
podem ser egoísmo em relação aos objetos externos, se prevalecerem os
mecanismos maníacos de controle e etc. Susan abandona Kane. A reação à
partida dela é o rosebud. O único objeto que ele preserva do quarto
dela, que ele apanha, de modo obviamente inconsciente das razões pelas
quais o está fazendo, das motivações que o fizeram escolhê-lo e
guardá-lo [sic] .As únicas referências à mãe dele ocorrem quando ele vem
a conhecer e gostar de Susan: ele teria feito uma viagem para visitar o
túmulo de sua mãe e o lugar onde ela morava e onde ele morou em sua
infância . Alguém no filme, penso que um de seus dois amigos, afirma que
ele (Kane) ama a própria mãe.
Considerar as razões do seu "egoísmo". A incapacidade dele de
vincular-se à mulher amada em razão de seu medo de perder. E também a
vida de família de seus pais que ficou destruída quando mandaram-no
embora. O pai dele não podia cuidar de um filho. Kane destrói o
relacionamento de seu filho quando permite que sua esposa se divorcie
dele. Novamente aparece o egoísmo com relação às pessoas de fora,
enquanto o medo de morte interna do rosebud nele mesmo aumenta à medida
que progride a sua vida.
Interjogo entre a sua incapacidade para amar as pessoas e para mantê-las
e o medo da morte dentro dele, e das pessoas amadas dentro dele. Sua
coleção de estátuas, predominantemente mulheres, aumentando como um
expediente para revitalizar mais e cada vez mais, assumindo a natureza
de objetos inanimados e artificias. Até mesmo o rosebud é um objeto
inanimado - um globo de vidro contendo um botão de rosa artificial.
Quanto maior a incapacidade de manter as coisas vivas dentro dele e a
incapacidade Klein confundiu a palavra com uma coisa: ela enxerga o
botão de rosa literal no globo de para um contato real com pessoas mais
aumenta, tanto mais forte fica a sua tendência para controlar e ter
poder — que são os mecanismos maníacos. [Ao discorrer sobre o crescente
medo da morte das pessoas amadas dentro dele: características —- o enorme
hall no qual a pobre Susan entretém-se com seus quebra-cabeças, e Kane
sentado do outro lado, conversa com ela a uma distância de onde mal
conseguem escutar-se nitidamente. A comunicação entre ele e seus objetos
é interrompida, o hall dá a impressão de um mausoléu. Neste momento,
a ruptura com Susan acontece, provocada por ele, pois ele não consegue
mais sustentar a luta.]
Há longo tempo estão esquecidos os desejos de melhorar a vida das
pessoas pobres. Estas tendências também logo se transformaram em
maneiras de controlá-los e de usar estes propósitos para ganhar poder. É
patético que no momento que conhece Susan, a simplicidade, a pobreza, a
juventude dela atraíram-no e o quanto ele desejou e lutou para
conseguir amá-la. Entretanto, logo teve que transformá-la em um objeto
artificial, uma pessoa idealizada, agarrando-se a talentos seus que de
fato ela não possuía, um meio de ganhar poder. Interessante também a
relação com os homens, e as mudanças em sua atitude rebelde. Suas
rebeldias nas faculdades associam-se com os pais terem-no forçado a
cursá-las e terem desistido dele com o objetivo de torná-lo rico e
poderoso. Então esta rebeldia, em grande medida dirigida contra seu
tutor conservador, materialista e rico volta-se contra o capitalismo e é
usada para proteção dos pobres, entretanto, isto ele não consegue
sustentar. A atração e o amor por sua juventude na condição de criança
pobre iriam acarretar a manutenção de seu amor pelos pais vivos. Porém,
ódio e ressentimento parecem impedir isto. Ele também parece realizar os
desejos de sua mãe ao seguir o tipo de vida que ela parecia ter
planejado para ele. Isto, entretanto, só é possível através da
intensificação dos mecanismos maníacos e divorciando-se cada vez mais
dos sentimentos de amor, e do desejo de proteger e ajudar os outros,
etc. Naturalmente o fato de que ele não pode tocar a mulher que ele
deseja amar torna-se uma prova a mais do fracasso no amor e da
capacidade de manter viva em sua mente sua mãe e reconciliar-se com os
seus pais. Uma vida familiar feliz teria significado renovar o passado
em um sentido positivo, revitalizar os pais, etc. Quanto mais fracassa a
sua capacidade de amar, tanto mais se intensificam os mecanismos
maníacos; controle dos objetos internos pois se tornaram perigosos e
feridos respectivamente através de sua hostilidade, e não podem ser
mantidos vivos. A necessidade de ser amado em seus próprios termos como expediente para se reassegurar contra o seu sentimento de
insignificância porque a sua culpa diz a ele que ele é a causa da morte
dentro dele. Entretanto, o anseio pelo botão de rosa (rosebud) pelo
seio bom carregado sempre em seu bolso mostra o quê ele desejava
preservar dentro de si. Se não tivesse sido tão talentoso e se não
tivesse encontrado os meios de expressar em suas atividades e em sua
vida real sua tendência a controlar e, naquelas atividades também
tivesse conseguido empregar tendências à reparação, embora parecessem
obscurecidas por seu desejo de poder, se não tivesse sido possível
fazer isto, será que não teria ficado doente, possivelmente uma
vítima de estados maníaco-depressivos?
Alguém sugere que ele conseguiu tanta coisa na vida e sempre perdia.
Talvez seja o botão de rosa (rosebud) algo que ele sempre quis e não
conseguiu obter ou talvez algo que ele teve e novamente perdeu.
Melanie Klein