•  VIDA DE MULHERES cotidiano e imaginário

     livro de Marina Massi | prefácio: Rosiska Darcy de Oliveira e Marta Suplicy


"Para aquelas que se tornaram mulheres desenredando a vida" Marina Massi 1992


O que é ser mulher?
Essa questão, que cinquenta anos atrás parecia desprovida de sentido, é hoje uma das interrogações centrais do nosso tempo. É ela que, na verdade, perpassa todo o livro de Marina Massi, que enfrenta com coragem o que está hoje nos corações e mentes de todas as mulheres. Mulheres que aceitaram atravessar os territórios do masculino – vida pública, mundo do trabalho, mundo do saber – e que o fazem movidas pelo desejo de alargar seus horizontes e, ao mesmo tempo, atormentadas pelas dúvidas sobre sua própria competência e aptidão.


Este livro é um trabalho cientifico alimentado pela paixão do conhecimento e do autoconhecimento. Marina não esconde que seu tema não é estrangeiro às suas próprias preocupações, inspira-se em uma trajetória que é também a sua. Marina confrontou mulheres como ela, seguiu com elas o intrincado e espesso fio do cotidiano, das experiências e, sobretudo, das representações do imaginário.


Esculpiu seu livro usado como matéria a palavra dessas mulheres, a sua própria teoria, mas, sobretudo, os vazios que separam a representação da realidade. "Nas entrevistas me senti bastante próxima e às vezes muito identificada com essas outras mulheres que eu entrevistava, nem tão outras, pois eu me reconhecia nelas". Assim como as entrevistadas sublinham que, mais do que uma entrevista, "trata-se de um testemunho de vida".


Estavam assim reunidas todas as condições para o sucesso de um livro. O encontro da paixão de um autor com as angústias de um tempo. Da insegurança face ao trabalho, a culpa que cerca a maternidade, Marina analisa os impasses dessa incerteza que é ser mulher, desvendando as camadas mais profundas de uma problemática que vivida e sofrida como pessoal e privada é, na verdade, coletiva e política. A passagem das mulheres da situação de ambivalência entre o público e o privado, que hoje é experiência cotidiana de todas elas, para um lugar social mais definido e respeitado que possam sem medo chamar de seu, exige o repensar da divisão sexual do trabalho, entrando em um mundo em que aos homens não baste "só servir de identificação para os filhos, mas dividir realmente o cuidado". Aí reside a mudança.


Essa mudança não virá sem que um novo diálogo privado e político se instaure entre homens e mulheres. "O silêncio ostensivo do cônjuge que se cala para não ter que partilhar os problemas e as decisões na vida cotidiana do privado irrita e angustia. É o típico silêncio daquele que não dá satisfações e desse modo impõe seu poder e desprezo por tudo que diz respeito ao feminino ou à opinião da mulher. A falta de conversa, apesar de explicada psicologicamente pelas próprias mulheres pelo fato de o homem não saber expressar seus afetos e, portanto não conversar sobre determinados assuntos, não é a falta deficiente do que não sabe falar, é o silêncio de quem não necessita também se dar ao trabalho de falar, é um silencio agressivo".


Esse diálogo indispensável, em que o masculino perderia a sua obviedade para redefinir-se face a um feminino que não é mais o que era antes e que, sobretudo não é mais o seu contrário, nem o seu Outro, esse diálogo se tornará mais fácil quando as mulheres aceitarem o risco do diálogo consigo mesmas. O livro de Marina aposta nessa possibilidade e tenta tirar da invisibilidade o cotidiano feminino tão desconhecido das próprias mulheres; essa "Vida de Mulheres" que Margherite Yourcenar chamava de muito limitada ou muito secreta e que se dissolve no imaginário. Alargar esses limites, desvendar esse segredo, tornar visível o Feminino como experiência é o projeto político das mulheres, pois "não existe a Mulher, mas as mulheres".


A esse projeto, este livro não poderia faltar. Assim como os leitores não faltarão a este livro, que é um convite e um desafio a homens e mulheres capazes de reinventar — para melhor — suas próprias vidas e a convivência das futuras gerações.


Rosiska Darcy de Oliveira


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Fora da ficção, não dá para pensar ainda no que ocorrerá no futuro das relações do homem e da mulher, mas creio que, daqui a cinquenta anos, nossas vidas, família e amores como são estruturados hoje serão vistos tão surpreendentes como quando olhados as vidas das nossas bisavós que não podiam mostrar o tornozelo e não podiam exercer profissão liberal.


O mundo se transforma. Pensar possibilidades, pensar utopias, é o primeiro passo num processo de transformação. Formar consciências, como este trabalho de Marina, pensar estratégias e ousar ir além do que nos parece sensato, possível, ou "natural", possibilitará a construção de um mundo mais justo e com outras realidades.


Marta Suplicy